sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Por dentro do tubo por Otávio Pacheco



Sempre tive a mania de contar os segundos quando vejo alguém se entubando, seja ao vivo ou num vídeo. Não tem jeito, rolou um tubo, começo fazer uma “contagem de paraquedista”: um mil e um, dois mil e dois, três mil e três... e assim vai. Na regra maluca que criei na minha cabeça, sou bastante exigente: só começo quando o surfista está completamente escondido e tem que ser uma entubada contínua. Saiu um pouquinho, eu paro. Só alivio se apenas a pontinha do bico da prancha estiver aparecendo, aí também vale. Acho que acabei ficando um pouco neurótico com essa mania de contar o tempo dentro do tubo, “tipo um transtorno obsessivo compulsivo” (rs...).
Esse lance começou de brincadeira há muito tempo atrás nos tubos de Guaratiba, onde aprendi a entubar, tentando contar “ao vivo” os meus próprios segundos quando conseguia ficar lá dentro. É claro que é muito difícil se lembrar de fazer uma “autocontagem”, por isso prefiro mesmo é contabilizar o tempo dos outros no tubo. Mas foi no Havaí, desde que cheguei lá pela primeira vez, no início dos anos 70, que essa mania passou a ser uma “obsessão” (rs...) que continua até hoje.

Certamente já testemunhei entubadas extraordinárias ao longo da vida nos meus 50 anos de surfe. Lembro-me de ter contado entubadas de alguns surfistas acima da faixa de 08 segundos, que já é muito tempo. Isso sem contar quando acontece mais de uma na mesma onda. Mas quando, raramente, passa a barreira dos 10 segundos seguidos, é que entra no meu “arquivo de memória de permanência dentro do tubo”.

Nelson Pinto, Alfa Barra.

CADA VEZ MAIS TEMPO DENTRO DO TUBO

Pois é, outro dia estava assistindo no canal Off um vídeo que me inspirou para escrever essa matéria. Dentre as manobras aéreas ultrarradicais, rolava uma sessão de tubos épicos de vários surfistas da nova geração que me deixou sem fôlego de tanto contar “compulsivamente” os segundos da molecada dentro dos tubos. Caras como Jonh Jonh Florence, Flynn Novak, Alex Gray, Ozzy Wrong, Marlon Gerber, Dylan Graves, Matt Meola, Nate Tyler, Mikala Jones, Ry Craig, Clay Marzo, Peter Devries, Mike Losness, o brasileiro Marco Giorgi, o veterano Kelly Slater e alguns outros. Também andei assistindo em outros vídeos os nossos “novos heróis” brasileiros Raoni Monteiro, Adriano de Souza, Gabriel Medina, Miguel Purpo, Filipe Toledo, Alejo Muniz e companhia entubando muito fundo. Porém, foi um tubo numa direita do Jonh Jonh que mais me impressionou. Fiz uma contagem de uns 12 segundos com ele completamente entocado. Caramba, uma eternidade! O surfe chegou num patamar técnico de entubadas realmente incrível, fora os repertórios ilimitados de aéreos “extratosféricos”, com todas aquelas “cambalhotas” no ar. Caramba, afinal isso é surfe ou virou voo livre (rs...)?

Já nas minhas mais recentes temporadas no Havaí (2010, 2011 e 2012), continuei a constatar - e a contabilizar - as entubadas cada vez mais intensas das novas gerações de brasileiros e gringos, que estão extrapolando os limites de posicionamento e o tempo de permanência dentro dos tubos como, por exemplo, Jamie O’Brien, atual especialista de Pipeline, com seu estilo irreverente de atacar os perigosos tubões do nosso bom e velho Pipe.

Nelson Pinto, Alfa Barra.

VOLTANDO NO TUBO DO TEMPO: HAVAÍ, INDONÉSIA E MARROCOS

Os tubos de Pipeline, tanto as esquerdas como as direitas do Backdoor, obviamente são uns dos meus “campeões de audiência” nas contagens que tenho feito lá desde os anos 70, na época do “Maestro” Gerry Lopez e de “Tuberiders” famosos como Tom Stone, Tiger Spere, Glen Kaluikukui, Michael e Dane Kealoha, Michael e Derek Ho, Max Medeiros, Rory Russel, Shaun Tomson, Jack Dunn, Ron Burns, Rick Rasmunsen e outros, além dos brasileiros pioneiros em Pipe Pepê Lopes, Bocão, Betão, Rico, Paulo Proença, Lipe Dylong, Kadinho, Fabio Pacheco, Ianzinho Martins, Renan Pitanguy e, inclusive, eu mesmo, dentre outros dessa geração apelidada pelos havaianos de “Brazilian Nuts” que, de certa maneira, foi precursora da atual e super talentosa geração que está aí a caminho do sonhado título de Campeão Mundial, hoje chamada de “Brazilian Storm”.

Já por volta de 1977, comecei a frequentar a Indonésia - santuário dos tubos mais perfeitos do planeta - onde passei a marcar meus melhores tempos. Mas foi numa das minhas primeiras vezes em G-Land, acho que em 1979, onde talvez tenha batido meu próprio recorde até hoje, ficando completamente entubado por aproximadamente uns 10 segundos conforme a contagem feita por um amigo australiano. Lá em G-Land, na mesma ocasião, também marquei o tempo - acima dos 10” - de alguns tubos dos meus amigos, como Jim Banks (um dos melhores tuberiders do mundo) e o mestre Peter M’Cabe, que nunca me esqueço de ter contado ele andando por uns14”escondido lá dentro. Depois ele apareceu e voltou a sumir mais duas vezes na mesma onda. Inacreditável para aquela época.

Nelson Pinto, Alfa Barra.

Passei a metade da minha vida peregrinando pelo mundo atrás do tubo perfeito e, entre idas e vindas, algumas vezes consegui encontrá-lo. Existem poucos tipos de tubos no planeta que têm a configuração e combinação de fatores - uma simbiose - que faz com que ele quebre ao longo de uma grande distância e na mesma velocidade que a prancha pode alcançar. Nem mais nem menos. Igual a um zíper de roupa. Aí dá pra acontecer “Aquele Lance” que você anda, anda e anda lá dentro e não consegue sair, mas ele também não te engole e você vai indo, indo, indo... e vai à loucura total!

Pois é, além disso acontecer em alguns picos pela Indonésia, outro lugar que acontece esse fenômeno está na África, e não é em Jefreys Bay. É numa direita em Safi, no Marrocos. Lá eu vi “neguinho” andando, andando e andando em altíssima velocidade dentro do tubo, talvez por mais de 15 segundos. E olhando de fora d’água, parecia que não tinha ninguém na onda. Mas lá na frente, depois de “horas”, o surfista saiu “assoprado” como uma zarabatana.

Nelson Pinto, Alfa Barra.

TUBOS GIGANTES: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Desde muito tempo atrás, eu ficava contemplando os outside reefs nos dias de ressaca no Havaí e, ainda nos anos 70, até cheguei a surfar em Phantons (outside Velzy Land) com meu velho parceiro de ondas grandes Ricardo Bocão. Já naquela época, eu sonhava, imaginava e previa que seria possível um dia conseguir entrar naquelas ondas com mais de 40, 60 ou 80 pés, que rolavam nos outsides, e surfar dentro daqueles tubos gigantes que a gente só via de longe.

Aí, no final do milênio passado aconteceu. Foi uma verdadeira odisseia! Meu coração disparou de emoção e adrenalina quando assisti pela primeira vez o Laird Hamilton (com Buzzy Kerbox e Dereck Dorner) surfando pioneiramente Jaws em tubos de 60 pés - que podem até caber um trem lá dentro - como também aquela emblemática imagem da “Onda do Século”, quando ele entubou dramaticamente em Teahupoo enorme. Estas gloriosas façanhas chocaram o mundo do surfe e foram um marco na história. Ali, tive a certeza que a concepção do surfe de ondas grandes havia mudado para sempre e não teria mais limites. E é o que vemos hoje em dia nas imagens assustadoras e ao mesmo tempo magníficas de mega tubos sendo surfados com bravura por uma pequena legião de verdadeiros “gladiadores do mar”. Ou seja, eram limites extremos do surfe no passado a serem alcançados no futuro, mas que já estão sendo superados no presente com a ajuda do jet ski para entrar na onda e até sem ele para os mais puristas como eu. Ou mesmo, muito em breve, com as pranchas motorizadas já em testes por aí.

Pois é, o poder de superação do ser humano é ilimitado e realmente formidável! Portanto, é fascinante ter sido e ainda poder ser - graças a Deus - uma testemunha ocular da história e da evolução desse esporte espetacular ao longo dos últimos 50 anos, aprendendo nas ondas do mar e dentro dos seus tubos a arte de surfar a vida...

Nelson Pinto, Alfa Barra.


REFLEXÕES SOBRE O TUBO E O SURFISTA

O objetivo máximo que o surfista tenta alcançar numa onda geralmente é o tubo. E aquele instante dentro dele - com milhares de toneladas e trilhões de moléculas de água rodando em sua volta - é um momento mágico de harmonia entre o homem, a natureza e o universo, ou seja, de certa forma uma conexão direta com Deus.

Ao mesmo tempo, a concentração total e a ausência de pensamentos que rolam naqueles segundos quando estamos dentro do tubo - e ficamos intensamente alertas e inteiramente presentes no aqui e agora, transcendendo a turbulência da nossa mente e do nosso ego -, nos possibilita experimentar por segundos que seja um estado de “super consciência”, que de alguma maneira pode “abrir as portas da nossa percepção” e nos despertar para a iniciação de um processo de elevação espiritual e de iluminação, mesmo sem às vezes nem nos darmos conta disso. Aí então, além de um esporte e uma diversão, o surfe também pode tornar-se uma forma de Yôga, Meditação Transcendental ou até uma Religião. E depois quem sabe, lá no fundo do “tubo da nossa alma”, encontrar o nosso verdadeiro ‘Ser’, o Sagrado, o Incomensurável, o que não pode ser nomeado... Enfim, um simples tubo pode nos conduzir de volta para nossa essência divina, mesmo que seja por alguns segundos...

4 comentários:

  1. tenho uma prancha de surf de fabio pacheco com dedicatoria especial p/mica jeremias saquarema rio soul surf

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  2. tenho uma prancha de surf de fabio pacheco com dedicatoria especial p/mica jeremias saquarema rio soul surf

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  3. Belíssimo texto, Otávio, de quem tem muito a dizer.

    Jorge, seu antigo vizinho e amigo de adolescência da Barão de Jaguaribe, 200.

    Abraço.

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  4. Valeu Jorge!
    Só vi seu comentário hoje.
    Nós começamos a aprender a surfar com skate (lá na nossa rua Barão de Jaguaribe 200 em Ipanema, onde éramos bons amigos e vizinhos morando no mesmo predio), ainda nos anos 60, com os skates que fazíamos com as rodas de patins pregadas numa tábua de madeira..
    E dps comecei a surfar no mar com pranchas madeirite..
    Aprendi a tocar violão lá com vc tbm..
    Espero que vc esteja bem!
    Abração!

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