
Depois da vitória histórica em Bells Beach, Adriano de Souza desembarcou no Rio de Janeiro focado em conseguir mais um bom resultado na terceira etapa do World Tour. A sintonia com o Rio continua forte. No período em que a competição ficou paralisada, Mineiro surfou na Prainha, deu entrevistas, tirou fotos e produziu uma série de vídeos para seus patrocinadores, cumprindo uma agenda cheia de compromissos de um atleta de nível mundial. Recebemos Mineirinho em nossa redação para um bate-papo. Tranquilo e bem humorado, logo na entrada foi pegando a edição que ele fez a capa em Portugal. Entre uma foto aqui e outra ali, ele abriu o jogo sobre as barreiras a serem quebradas pelos surfistas brasileiros lá fora e as conquistas da geração “Brazilian Storm”. Também abordou seus pontos fortes e fracos nas etapas do circuito, além contar os detalhes de sua última vitória no Rip Curl Pro Bells Beach.
Qual foi a repercussão que você teve após a vitória em Bells este ano lá fora e aqui no Brasil?
No exterior foi aquele papo de sempre: “Os ‘Brazilian Storms’ fazendo estrago em etapas do WCT”. Agora no Brasil foi emocionante por ter tantas pessoas conectadas no esporte me dando parabéns. Todos os canais de TV, não só os especializados no surf, me deram o maior suporte e apoio para expandir ainda mais o reconhecimento dessa grande vitória.
Mas qual foi a reação dos caras lá fora?
Na minha opinião foi um estrago em um evento. Sempre tiveram uns 10 ou cinco eventos que a gente não vai muito bem e dois ou três que a gente detona, mas um brasileiro nunca tinha ido tão bem em Bells. Então eles viram esse estrago e ficaram bem atentos que estamos avançando o sinal, chegando perto. Eles ficaram indignados porque um brasileiro tirou o espaço deles.
Isso te dá ainda mais garra?
Com certeza! É o que eu luto diariamente dentro do WCT. Porque a luta que eu, Gabriel, Alejo e outros brasileiros temos pra demonstrar para os gringos que não estamos ali à toa é muito grande. É uma batalha que parece não ter fim. Cada vez eles vão botando mais barreira e nós ultrapassando.

Qual foi a sua tática em Bells?
Aprendi a surfar Bells porque sempre me dediquei bastante em pegar aquela onda como os juízes querem ver. Percebi que o Joel Parkinson, Kelly Slater, Mick Fanning e todos esses grandes nomes chegavam até o último dia porque eles estavam surfando assim, então transformei isso no meu surf. Em 2011, eu estava indo super bem, peguei o Kelly nas quartas e fiz uma ótima bateria contra ele em um mar grande também, bem parecido com esse que ganhei, mas chegou na semifinal e não consegui avançar, acabei perdendo para o Joel. Tomei uma série na cabeça de uns 10 pés, igualzinha a que o Nat tomou na final desse ano. Para mim foi uma decepção por não ter como reagir depois. Só que dessa vez foi ao meu favor!
Quais foram as baterias mais difíceis?
Todas eu encaro da mesma forma. Os top 32 são adversários duros, não estão ali à toa, têm muito mérito e respeito. Mesmo se o cara não tem nome, ele pode seguir nas competições. O Nat foi uma prova, ninguém esperava que ele fizesse aquilo, então pode acontecer a qualquer momento. É claro que eu tenho muito respeito pelo Kelly, Joel e por tudo que eles já fizeram para o esporte. Mas não posso dar nenhuma vantagem pra um e nem pra outro, porque eu sei o perigo constante que é estar ali dentro do circuito.
Naquela bateria que o Jordy começou com nove e tanto, você escutou a nota dele? Como foi?
Eu vi a nota dele e pensei: “Ele começou muito bem, legal, mas o jogo está apenas começando.” Ele pegou a onda no primeiro minuto. Entrei para disputar uma semifinal em Bells e sabia que não seria fácil. Eu sabia que não ia avançar com duas notas cinco. Como tinha altas ondas, acreditei muito no meu surf e no que eu vinha fazendo durante todo o evento. Mantive a calma e as ondas vieram na hora certa.

Como é ser por dois anos seguidos Top 5 do circuito?
É bom ter reconhecimento dentro do tour. E às vezes a forma que você vai tendo bons resultado te ajuda muito a disputar uma bateria com outros competidores. Eles te encaram como um gigante. Por um lado é muito bom eles sentirem essa responsabilidade de me vencer. Mas ao mesmo tempo dá uma motivação a mais para o adversário, pois, se ele ganhar, sabe que ganhou de um cara bom. Tenho que estar no equilíbrio dessas duas forças, mesmo assim sempre vou me programar, me preparar muito bem para estar pronto quando chegar numa hora decisiva. Sei que meu “Dio” é com o com o oceano, não tem como prever as coisas, porém antes do evento tento sempre me blindar de todas as forças para que eu consiga ir bem na prova.
Quais as etapas que você encontra mais dificuldade no circuito?
As etapas que eu tenho maus resultados são as que sempre quero evoluir, corres atrás. Sempre fui bem em Teahupoo, tive três ou quatro quartas de final, porém eu sonho chegar numa final e sei como é difícil ganhar esse evento, preciso evoluir muito lá. Quero melhorar no Hawaii, pois faz muito tempo que não me dou bem. A França também está sendo uma etapa que encontro muita dificuldade. Fiquei em terceiro um tempo atrás, mas de lá para cá só perdi de primeira fase em todos esses anos. É um evento que está me doendo muito. Acredito que em todos esses meus Top 5, eu perdi a chance do título mundial na França há mais de três anos, mesmo ganhando Portugal.
O que te atrapalha lá?
Lá é difícil, a maré muda. Você surfa na fechadeira, acha que a bateria vai ser no pico e aí o cara coloca lá numa gorda, do outro lado, para a esquerda. Você está treinando num lado, vai pro outro... Acaba perdendo todo o foco, todo o sentido. Aí os caras falam que vai rolar um mar gigante e tudo que você vem fazendo de preparação muda. É um evento bem complicado, muito bom para o nosso circuito, mas não é tão fácil assim quanto parece na webcast.

Você acha que nas mídias sociais ainda existe certo preconceito com as vitórias dos brasileiros no tour?
O circuito é bem compacto aos surfistas australianos e americanos. Isso foi gerado há 40 anos por eles e os brasileiros vieram comendo pelas beiradas. Com a vinda do Fabio Gouveia, Peterson Rosa, Neco e Teco Pararatz, barreiras foram quebradas aos poucos. O Vitor, nosso maior atleta nos últimos anos, conseguiu avançar alguns sinais. Mas acredito que essa nova geração já conquistou muitos resultados e fez os gringos pensarem: “Agora se a gente não tomar cuidado, os caras vão vir pra cima!” Então a história deu uma mudada, porém em relação à burocracia interna continua muito bem fechada. Os atletas hoje estão com o papel de, além de quebrar essa burocracia, quebrar também a “fórmula” para chegar ao título mundial em breve.
Como está sendo seu trabalho, além das competições, com o novo patrocinador?
É uma parceira imensa com a Pena, patrocinador que chegou na hora certa, num momento de dificuldade que eu tinha no início do ano. Para mim foi muito difícil entender o fato de ser um dos maiores atletas do país e estar numa situação daquelas, sem patrocínio. E mesmo com o co-patrocínio de grande porte da Oakley e da Red Bull, não ter um patrocinador principal dá uma desmotivação. Você vê o seu bico branco e fala: “Eu vim fazendo meu papel, sou o melhor atleta do Brasil no ranking da atualidade e não tenho patrocinador principal.” Então eles vieram na hora certa, me deram vida em 2013 e está sendo ótimo representar uma marca brasileira. Acabei de vir da Indonésia com o Paulo Barcellos, que também foi contratado pela Pena e vai gerar toda a minha imagem em filmes e conteúdo. Foi bom porque agora consigo investir no meu próprio surf com viagens. Estou indo pra J-Bay só para treinar, se estivesse sem patrocínio eu não iria.
Como aconteceu a parceria com o Corinthians?
Eu fui atrás deles inspirado no Anderson Silva, no Cigano, atletas de outras modalidades que estão com um link com o clube e tiveram as portas abertas na mídia. Hoje o Brasil é futebol, a mídia especializada é muito maior nessa área do que em qualquer outro esporte. Então essa entrada via Corinthians para colocar o surf nesses programas me deu muita ênfase. Assim que eu assinei com o clube, participei do “Tá na área”. A minha visibilidade aumentou 1000%. Foi uma coisa bem positiva, eles abriram essa porta para um público diferente. Pude divulgar meus resultados, minha carreira e o esporte para a massa.

Existiu algum conflito com seu patrocinador antigo quando você entrou no Corinthians?
Nenhum. O Corinthians só me oferece treinamento, não me traz espaço que vá conflitar com meus patrocinadores. Não uso a camisa do clube em lugar nenhum, eles só me passam os recursos do futebol para que eu possa melhorar ainda mais a minha performance dentro d’água. Foi isso que eu acertei. A Oakley teve a decisão de finalizar meu ciclo de dez anos de contrato, que venceu ano passado, pois estava acreditando mais nos novos atletas. Eu dei todo apoio para eles porque foi uma empresa que investiu dez anos na minha carreira, então sou muito grato ao suporte da marca. Agora a gente está entrando num novo ciclo.
Você morou três anos na Califórnia. Por que decidiu voltar?
Porque eu estava perdendo meu espaço aqui no Brasil (risos). Claro que foi muito bom morar na Califórnia durante três anos. Desenvolvi meu inglês, fiquei próximo ao WCT de Trestles, uma onda de qualidade, de linha. Lá tem toda a indústria em volta. Meu patrocinador principal era de lá e eu tinha um apoio maior, por isso essa decisão de morar fora, além de focar mais no surf. Aqui é difícil você estar 100% conectado porque é muita coisa... Mas agora estou retornando para buscar de novo meu espaço dentro do Brasil. Eu perdi muito, pois estando fora você não é visto e acaba sendo esquecido por todos.

O que você acha dessa nova geração “Brazilian Storm” no WCT? Você se vê como uma referência para ela?
Existem muitas pessoas que falam que sou um líder, mas de líder não tenho nada! Eu tenho uma pequena porcentagem nesse “Brazilian Storm” que hoje é gerado por sete ou dez atletas. Não me encaixo nesse padrão de líder porque temos atletas como o Raoni, que é mais velho que eu e representa muito bem a nossa nação. O Gabriel é muito novo, mas já conquistou muita coisa com tanta pouca idade, e o Filipe acabou de entrar é a sensação do momento... É uma bola de neve e cada um tem sua porcentagem que vai gerando uma tempestade. É impossível ser líder de alguma coisa no esporte individual.
Como foi chegar em segundo lugar no Billabong Rio Pro?
Foi um evento inacreditável! Fiz baterias incríveis contra o Kelly Slater, Gabriel Medina e principalmente contra o Jordy Smith na final. Foram três baterias pesadas e consegui chegar à grande final. Estou muito feliz com o resultado! Eu dei o meu melhor, sei que fiz o meu máximo e tenho que reconhecer que o Jordy foi melhor naqueles 35 minutos.
E o que você espera da próxima etapa em Fiji?
Espero fazer um grande evento lá. No momento estou liderando o circuito, porém isso não quer dizer nada porque o que manda mesmo é o final do ano, quando você sabe quem vai ser campeão mundial ou não. Já tive essa experiência antes e sei como lidar com isso, mas espero chegar bem em Fiji, pois no ano que eu liderei não cheguei 100% em J-Bay. Espero ter essa oportunidade de defender o meu melhor em Fiji e vamos ver o que vai dar.
Pra finalizar, como você analisa sua trajetória até agora?
Eu fico amarradão de ter nesses últimos anos ficado entre os cinco melhores do mundo. Não é fácil, você tem que vencer muitas barreiras e conquistar seu espaço. Mas ao mesmo tempo ganhei muita experiência e vou estar pronto para tudo que vier!

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