quarta-feira, 31 de julho de 2013

Sem patrocínio, surfistas profissionais lutam pela sobrevivência no esporte



Eles foram capas de revistas, marcaram época e inspiraram gerações. Toda a molecada queria ser como eles, dropar como eles, entubar como eles. A primeira geração do surfe profissional brasileiro provou que viver do esporte não era um privilégio só para os gringos. Os irmãos Padaratz, Fabinho Gouveia, Peterson Rosa, Ricardo Tatui, ajudaram a escrever a história do surfe brasileiro.

Depois vieram Marcelo Trekinho, Raoni Monteiro, Heitor Alves, Pedro Henrique, Bruninho Santos. Cumprindo muitas vezes o papel de embaixadores, esses surfistas acabaram abrindo caminho para que novos atletas pudessem fazer do surfe uma carreira profissional.

Protagonistas, tinham um estilo próprio, estilo esse inconfundível. O 'tempero brasileiro' podia ser notado de longe: no jeito de falar, andar e surfar. A ginga brasileira nunca passou batida. Com um surfe arte, manobras radicais, e atitude dentro e fora da água, os surfistas brasileiros conquistaram espaço na elite mundial.

A resposta veio, patrocínios, capas de revistas, destaque na mídia. Um bom retorno, que durou certo tempo, até surgirem novos rostos, novos estilos. Respeitando o curso natural das coisas, logo veio uma nova safra de surfistas, arrojada, audaciosa e cheia de talento. Precoces, os novatos começaram a chamar a atenção.
Gabriel Medina é um dos representantes do Brazilian Storm (Foto: Reprodução Instagram)

Gabriel Medina, Miguel Pupo, Alejo Muniz, Filipe Toledo passariam a ser conhecidos pela mídia internacional como o Brazilian Storm, a tempestade brasileira, e junto com a tempestade vieram os holofotes. Por outro lado, a velha guarda começava, pouco a pouco, a perder espaço. E junto com o esquecimento veio a perda dos patrocínios. Atletas como Raoni Monteiro, Neco Padaratz, Danylo Grillo e Bernardo Pigmeu se viram sem o apoio das grandes marcas. Comçaria aí uma jornada solitária e dolorosa para esses surfistas.
Fui bicampeão mundial, tenho 10 vitórias em eventos WQS, não é possível que eu não tenha um lugar ao sol nessa indústria"
Neco Padaratz

No dia 17 de dezembro, ainda sem patrocínio, o caçula dos Padaratz usou uma rede social para fazer um apelo. O atleta pediu a ajuda dos fãs para chamar atenção da indústria do surfe.

- Galera, está quase terminando o ano, me ajudem a mobilizar a indústria do surfe do nosso país, continuo sem patrocínio! Fui bicampeão mundial, tenho 10 vitórias em eventos WQS, duas vitórias em eventos do WCT, não é possível que eu não tenha um lugar ao sol nessa indústria - disse na postagem.


Na época sem patrocínio, Neco usa rede social para fazer apelo (Foto: Reprodução Facebook)

Neco não foi o único a usar o alcance das redes sociais. Bernardo Pigmeu, o Pig, também está sem patrocínio. O pernambucano vive em Alagoas, e mora na Praia do Francês, já disputou o WCT (World Championship Tour) em 2005, mas por causa de lesões teve que se afastar. Em 2013 ele volta a competir, mas sem patrocínio, vê o seu futuro incerto.
Bernardo Pigmeu também fez apelo nas redes
sociais (Foto: Divulgação)

- Filiação renovada com a ASP (Associação de Surfistas Profissionais) e vaga garantida para competições primes, no entanto, não sei qual será a minha primeira competição do ano, pois ainda continuo na busca de patrocínio - lamentou em uma de suas redes sociais.

Outro caso que chamou a atenção e correu o mundo foi o de Raoni Monteiro. Atualmente o surfista compete na primeira divisão do WCT, sem apoio, o carioca tenta sobreviver na elite mundial do surfe.

Em entrevista ao site da Billabong Raoni falou que já compete sem patrocínio há pelo menos dois anos. Lutando contras as adversidades, contusões e problemas pessoais, o surfista ainda mantém o brilho genuíno e segue acreditando que dia melhores virão.

- Tenho que vencer baterias, chegar às finais. Eu tenho competido sem patrocínio já há dois anos. Eu sei que se eu me sair bem, conseguirei um bom patrocínio. Eu preciso continuar conseguindo boas notas dos juízes, eu preciso continuar ganhando baterias, chegar às finais. Continuar trabalhando e o resultado virá - disse na entrevista.
Raoni Monteiro compete o WCT sem patrocínio (Foto: Ivo Gonzalez / Agencia O Globo)

Durante a segunda etapa do WCT em Bells Beach, Austrália, o competidor precisou recorrer a ajuda do pai para conseguir competir em terra australiana. A ajuda veio, ele agradeceu o apoio da família, mas disse sentir vergonha por disputar a mais importante competição de surfe do mundo e não ter o apoio de grandes marcas.
Danylo Grillo também usou as redes sociais
para dizer que estava sem patrocínio
(Foto: Arquivo pessoal)

- Só família mesmo viu. Quero agradecer ao meu pai que acabou de comprar a minha passagem para Austrália. 'Paitrocínio', orgulho e vergonha ao mesmo tempo - disse.

A insatisfação voltou, e Raoni mais uma vez recorreu às redes sociais para expor a sua frustração. Sem patrocínio ele não pôde chegar com antecedência à Indonésia, onde disputaria a 5ª etapa do WCT.

- Queria eu ter um patrocinador principal e poder chegar uma semana antes nessa onda incrível.

Já Neco Padaratz teve um bom motivo para comemorar. Feliz, no dia 8 de maio, ele anunciou que finalmente tinha conseguido um patrocinador. O apelo acabou valendo a pena.

- Muito obrigado a Hang Loose. Estou amarradão.
Neco exibe orgulhoso os equipamentos e roupas de seu novo patrocinador (Foto: Reprodução / Instagram)

Para o escritor, diretor de marketing e surfista, Sidney Tenucci, a causa do baixo investimento nos surfistas profissionais tem se dado por um aumento no número de jovens querendo viver do esporte, bem como o crescimento da competitividade do mercado e a diminuição do lucro por parte de algumas empresas.
Sidney Tenucci surfe (Foto: Arquivo pessoal)

- Acredito que seja pelo mercado super ofertado, excesso de marcas, os lojistas mandam. Com as margens menores diminui a capacidade de investimento. Sem contar que aumentou o número de jovens querendo viver do surfe, e o tamanho do mercado acabou não acompanhando esse crescimento vegetativo. A sub valorização dos atletas como veículo de marketing em função de vários fatores: a cultura surfe se diluiu com a pasteurização e a popularização do esporte. Muitos dos players atuais não veem o surfista como algo que agrega relevância comercial para o seu negócio. A cultura surfe original, amamentada pelos puristas, está solapada (detonada) pelo pragmatismo exacerbado, pelos investidores sem ligação emocional com a veia do surfe, e que, portanto, não atribuem um valor desejado pelos atletas aos patrocínios.
Ricardo Tatui (Foto: Arquivo pessoal)

Já Ricardo Tatui, um dos grandes personagens do surfe brasileiro da década de 80, falou que a responsabilidade não é somente das empresas, ele cobra uma postura mais profissional dos atletas brasileiros e diz que a bandeira deve ser levantada por todos, independente em qual posição o surfista esteja.

- As duas coisas têm que mudar. Primeiro, no Brasil o surfe deveria ser visto de maneira profissional, encarado assim por todos os patrocinadores, e não somente por uma parcela. Por outro lado, o atleta aceita qualquer coisa e não sabe se posicionar no mercado, por exemplo, quando o cara está na crista da onda ele não fala nada a respeito do mercado.


Os surfistas brasileiros tentaram, por quase 30 anos quebrar essa barreira. Não dá para dizer que é mérito apenas dessa nova geração."
Tatui

O Mineiro (Adriano de Souza) ou o Medina deveriam falar a respeito destes absurdos, pelo o que eu sei eles vieram de uma camada bem simples. De um lado tem o empresário que visa o seu lucro e faz o que o mercado manda. Mas não vou ser tão pessimista. Os surfistas brasileiros tentaram, por quase 30 anos, quebrar essa barreira, as coisas melhoram um pouco. Não dá para dizer que é mérito apenas dessa nova geração, uma vez que eles estão um passo à frente. Mas os anteriores se dedicaram muito para ser esquecidos, o surfe não pode se enquadrar nestes moldes se não vai perder sua filosofia, sua liberdade.

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